sábado, 28 de janeiro de 2017

Para que até sua avó entenda. O que eu fiz no mestrado?


Li em algum lugar, neste vasto e ultrassaturado mundo de informações que é a internet, que um bom acadêmico deve conseguir explicar seu trabalho até para sua avó. Esta frase trata-se de uma clara referência à tentativa de sair dos tão fechados círculos acadêmicos e fazer com que o público leigo (leia-se quem não é da área) possa ao menos compreender os objetivos e os resultados mínimos. Esse fato se torna ainda mais urgente quando a pesquisa é financiada por órgãos públicos (como CAPES, CNPQ e afins).
Portanto, lá vou eu, tentar trazer ao público que não é da área, de forma super-resumida e pouco maçante, o resumo daquilo que me ocupou de 2013 a 2015. Prometo poucas tabelas e evitar o uso de palavras cultas demais. A quem se interessar, no final, haverá links que redirecionam para um artigo que resume algumas metodologias e a dissertação completa nos arquivos da universidade.

Do que se trata o trabalho?
O trabalho é uma avaliação de política pública de educação na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), mais especificadamente da política de ações afirmativas para negros e alunos de escola pública dessa universidade, entre os anos de 2008 e 2011. Não se trata, portanto, de uma opinião minha, favorável ou contrária a essa políticas públicas de educação (conhecidas no grande público como cotas), e sim de uma avaliação rigorosa e criteriosa dos dados. O período escolhido se deve ao fato de que, em 2012, uma lei federal modificou a formatação da mesma política na universidade.
Nesta dissertação de mestrado, através de dados das notas, reprovações por nota e reprovações por frequências, busco analisar o desempenho dos alunos que ingressaram na universidade sob três modalidades (cota para negros, cota para escola pública e classificação geral). Vale frisar que muitos negros e alunos de escola pública optaram por não exercer o direito de ingresso por cota e se inscreveram na modalidade classificação geral.

A dissertação completa e impressa.(IMAGEM)

No trabalho cinco diferentes abordagens metodológicas foram utilizadas para mensurar o desempenho e comparar entre as três categorias de ingressos na universidade. O foco era observar onde cotistas negros e cotistas de escola pública se saíram relativamente bem e onde obtiveram certa dificuldade.
Vale citar que, na parte teórica do trabalho, consta toda parte teórica de formulação de objetivos e discussões da literatura acadêmica. Esse conteúdo pode ser acessado ao final desse texto, no link que redireciona à versão completa da dissertação.
A seguir, estão alguns resultados. É válido relembrar que este texto não tem finalidade científica, é apenas um resumo e, por isso, muito do realizado será deixado de fora, sendo ressaltados somente alguns aspectos.
SUPER RESUMO de ALGUNS resultados

Tabela 1. Número de acadêmicos negros na universidade antes e após a adoção das PAA (Programa de Ação Afirmativa) UFSC.



É nítido que houve um aumento da diversidade racial na UFSC, algo que é facilmente perceptível (para mim que frequentei com assiduidade de 2005 a 2014) e que se comprova pelos números. Mas, para as pretensões da política pública, não basta a igualdade no acesso (a população negra em Santa Catarina, totaliza 16%) é necessário averiguar se esses acadêmicos obtêm bom desempenho acadêmico.
Na fase inicial do programa, houve alguns resultados favoráveis e contrários, no que se refere ao desempenho, objetivo de apreciação dessa pesquisa. Não houve na pesquisa qualquer avaliação da melhora de convivência e de aspectos culturais, assim como de relação pessoal e psicossocial de alunos brancos e não oriundos de escola pública, com a adoção da política. Para um conhecimento de aspectos que vão além das notas dos acadêmicos na avaliação dessa política, sugiro a leitura do livro abaixo, em que também se encontra a melhor versão resumida de meu trabalho:




Disponível no site da EdUFSC.


Um ponto favorável a se destacar é que alunos de origem com famílias de menor renda e escolaridade dos pais tendem a desistir menos dos cursos, em especial os menos prestigiados. Já alunos oriundos das cotas de escola pública obtiveram excelente desempenho, conforme se denota na tabela abaixo:











Seja em cursos mais seletivos ou não, o desempenho dos cotistas oriundos de escola público iguala o desempenho de alunos que ingressaram da forma "normal".
O grupo de cotista negros é aquele em que se apresentaram as piores notas, localizadas em especial nos cursos do CTC, um centro de ensino na UFSC que engloba os cursos de engenharias, sistemas de informação e afins.
Em especial os homens cotistas negros, nesses cursos, estão entre o pior cenário possível para média.
As médias mais baixas foram encontradas entre homens, que são cotistas e negros. Ou seja, ser homem, cotista e negro, constitui o pior cenário em relação ao desempenho na UFSC.
Os dados, por serem abrangentes demais, apontam apenas a localização do problema. Entretanto, os mesmo podem servir como motor inicial para pesquisas com metodologias menos "gerais" que a minha pesquisa, que se trata, como dito, de um panorama geral da situação do cotista na UFSC.
TABELA 3- Médias das notas por categoria de ingresso e gênero

 A média dos homens negros, conforme se observa na tabela acima, destoa como maior problema de desempenho a ser verificado, enquanto persistir a política de cotas na UFSC.

Breves palavras finais
                Aproveito o momento final para agradecer aos meus orientadores, Julian Borba e Ilse Scherer-Warren, que muito me auxiliaram nessa caminhada de dois anos. Compartilho aqui alguns trechos de minhas considerações finais:
"Chega-se ao final do trabalho, ciente de que ainda há muito para ser pesquisado e aprofundado sobre o tema. Servir de aporte inicial a futuras incursões científicas sobre a política de ação afirmativa é uma contribuição futura desta pesquisa, assim como auxiliar no aprimoramento dessa política na instituição. Cientes desses dados, gestores dessa política podem elaborar planos e metas, visando o melhor acolhimento de estudantes de origens tão diversas."

"O conceito de mérito pode ser reavaliado constantemente, ainda mais diante da crescente pluralidade nas instituições universitárias brasileiras. Merecer a vaga em instituições tão seletivas e de qualidade como a UFSC é algo que deve ser levado em conta, já que não se quer alunos que não a mereçam nestas instituições. No entanto, o sentido deste merecimento é algo a ser considerado. Para começar, não está claro que os estudantes que obtêm notas e escores mais altos tenham sido, necessariamente, os que mais se empenharam na escola. As notas e escores de testes são um reflexo não só do esforço, mas também da inteligência, a qual, por sua vez, deriva de diversos fatores, como a aptidão hereditária, a situação familiar e a criação recebida na infância, que nada têm a ver com o número de horas que os alunos dedicaram a seu trabalho de casa. (Bowen&Bok, 2004, p. 396)."
           
"O resultado acadêmico pode ser também influenciado pela qualidade do ensino recebido ou até pelo conhecimento de melhores estratégias e formas de lidar com situações acadêmicas. Por essas razões, é bastante provável que muitos acadêmicos com escores bons, mas não excepcionais, tenham trabalhado com mais diligência do que muitos outros com histórico acadêmico superior."
           
"O que as universidades públicas devem querer ao selecionar seus alunos, é saber qual é o conjunto de interessados em ingressar essas instituições, individual e coletivamente considerados, “tirará o máximo proveito do que a instituição tem a oferecer, contribuirá mais para o processo educacional universitário e se sairá melhor na utilização do que aprendeu em benefício da sociedade em geral” (Ibidem, p. 397)".

"Além da ressignificação do conceito de mérito, é necessário que se leve em consideração não só o acesso de alunos de diferentes estratos sociais, econômicos e culturais na universidade, mas que estes possam permanecer e diplomar-se. A política pública não deve se contentar em incluir, deve fazê-lo com qualidade. Propiciar para os merecedores destas vagas reais possibilidades de modificarem suas vidas, após estudar em tão conceituada instituição."

"O trabalho permitiu algumas conclusões interessantes, que podem favorecer novas incursões na análise da política de ação afirmativa da UFSC."

"Espera-se que, com esses dados, haja motivação para mais pesquisas na área, visando o aprimoramento do acolhimento dos acadêmicos de origens tão diversas, em instituições ainda tão elitistas. Busca-se assim, que a política pública de ação afirmativa cumpra ainda mais seus objetivos. Que desta forma, além de ampliar o acesso, possibilite a diplomação desses acadêmicos que tornarão nosso mercado de trabalho mais plural. E que a universidade pública cumpra a sua função social democrática e inclusiva."



Artigo na revista científica da revista Tempo da Ciência: http://e-revista.unioeste.br/index.php/tempodaciencia/article/view/12642/8751

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