Li em algum lugar, neste vasto e
ultrassaturado mundo de informações que é a internet, que um bom acadêmico deve
conseguir explicar seu trabalho até para sua avó. Esta frase trata-se de uma
clara referência à tentativa de sair dos tão fechados círculos acadêmicos e
fazer com que o público leigo (leia-se quem não é da área) possa ao menos
compreender os objetivos e os resultados mínimos. Esse fato se torna ainda mais
urgente quando a pesquisa é financiada por órgãos públicos (como CAPES, CNPQ e
afins).
Portanto, lá vou eu, tentar
trazer ao público que não é da área, de forma super-resumida e pouco maçante, o
resumo daquilo que me ocupou de 2013 a 2015. Prometo poucas tabelas e evitar o
uso de palavras cultas demais. A quem se interessar, no final, haverá links que
redirecionam para um artigo que resume algumas metodologias e a dissertação
completa nos arquivos da universidade.
Do que se trata o
trabalho?
O trabalho é uma avaliação de
política pública de educação na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC),
mais especificadamente da política de ações afirmativas para negros e alunos de
escola pública dessa universidade, entre os anos de 2008 e 2011. Não se trata,
portanto, de uma opinião minha, favorável ou contrária a essa políticas
públicas de educação (conhecidas no grande público como cotas), e sim de uma
avaliação rigorosa e criteriosa dos dados. O período escolhido se deve ao fato
de que, em 2012, uma lei federal modificou a formatação da mesma política na
universidade.
Nesta dissertação de mestrado,
através de dados das notas, reprovações por nota e reprovações por frequências,
busco analisar o desempenho dos alunos que ingressaram na universidade sob três
modalidades (cota para negros, cota para escola pública e classificação geral).
Vale frisar que muitos negros e alunos de escola pública optaram por não
exercer o direito de ingresso por cota e se inscreveram na modalidade
classificação geral.
No trabalho cinco diferentes
abordagens metodológicas foram utilizadas para mensurar o desempenho e comparar
entre as três categorias de ingressos na universidade. O foco era observar onde
cotistas negros e cotistas de escola pública se saíram relativamente bem e onde
obtiveram certa dificuldade.
Vale citar que, na parte teórica
do trabalho, consta toda parte teórica de formulação de objetivos e discussões
da literatura acadêmica. Esse conteúdo pode ser acessado ao final desse texto,
no link que redireciona à versão completa da dissertação.
A seguir, estão alguns resultados.
É válido relembrar que este texto não tem finalidade científica, é apenas um
resumo e, por isso, muito do realizado será deixado de fora, sendo ressaltados
somente alguns aspectos.
SUPER RESUMO de ALGUNS resultados
É nítido que houve um aumento da
diversidade racial na UFSC, algo que é facilmente perceptível (para mim que
frequentei com assiduidade de 2005 a 2014) e que se comprova pelos números. Mas,
para as pretensões da política pública, não basta a igualdade no acesso (a
população negra em Santa Catarina, totaliza 16%) é necessário averiguar se
esses acadêmicos obtêm bom desempenho acadêmico.
Na fase inicial do programa,
houve alguns resultados favoráveis e contrários, no que se refere ao
desempenho, objetivo de apreciação dessa pesquisa. Não houve na pesquisa
qualquer avaliação da melhora de convivência e de aspectos culturais, assim
como de relação pessoal e psicossocial de alunos brancos e não oriundos de
escola pública, com a adoção da política. Para um conhecimento de aspectos que
vão além das notas dos acadêmicos na avaliação dessa política, sugiro a leitura
do livro abaixo, em que também se encontra a melhor versão resumida de meu
trabalho:
Um ponto favorável a se destacar
é que alunos de origem com famílias de menor renda e escolaridade dos pais tendem
a desistir menos dos cursos, em especial os menos prestigiados. Já alunos
oriundos das cotas de escola pública obtiveram excelente desempenho, conforme
se denota na tabela abaixo:
Seja em cursos mais seletivos ou
não, o desempenho dos cotistas oriundos de escola público iguala o desempenho
de alunos que ingressaram da forma "normal".
O grupo de cotista negros é
aquele em que se apresentaram as piores notas, localizadas em especial nos
cursos do CTC, um centro de ensino na UFSC que engloba os cursos de
engenharias, sistemas de informação e afins.
Em especial os homens cotistas
negros, nesses cursos, estão entre o pior cenário possível para média.
As médias mais baixas foram
encontradas entre homens, que são cotistas e negros. Ou seja, ser homem,
cotista e negro, constitui o pior cenário em relação ao desempenho na UFSC.
Os dados, por serem abrangentes
demais, apontam apenas a localização do problema. Entretanto, os mesmo podem
servir como motor inicial para pesquisas com metodologias menos
"gerais" que a minha pesquisa, que se trata, como dito, de um
panorama geral da situação do cotista na UFSC.
TABELA 3-
Médias das notas por categoria de ingresso e gênero
A média dos homens negros, conforme se observa
na tabela acima, destoa como maior problema de desempenho a ser verificado,
enquanto persistir a política de cotas na UFSC.
Breves palavras finais
Aproveito
o momento final para agradecer aos meus orientadores, Julian Borba e Ilse
Scherer-Warren, que muito me auxiliaram nessa caminhada de dois anos.
Compartilho aqui alguns trechos de minhas considerações finais:
"Chega-se
ao final do trabalho, ciente de que ainda há muito para ser pesquisado e
aprofundado sobre o tema. Servir de aporte inicial a futuras incursões
científicas sobre a política de ação afirmativa é uma contribuição futura desta
pesquisa, assim como auxiliar no aprimoramento dessa política na instituição.
Cientes desses dados, gestores dessa política podem elaborar planos e metas, visando
o melhor acolhimento de estudantes de origens tão diversas."
"O
conceito de mérito pode ser reavaliado constantemente, ainda mais diante da
crescente pluralidade nas instituições universitárias brasileiras. Merecer a
vaga em instituições tão seletivas e de qualidade como a UFSC é algo que deve
ser levado em conta, já que não se quer alunos que não a mereçam nestas
instituições. No entanto, o sentido deste merecimento é algo a ser considerado.
Para começar,
não está claro que os estudantes que obtêm notas e escores mais altos tenham
sido, necessariamente, os que mais se empenharam na escola. As notas e escores
de testes são um reflexo não só do esforço, mas também da inteligência, a qual,
por sua vez, deriva de diversos fatores, como a aptidão hereditária, a situação
familiar e a criação recebida na infância, que nada têm a ver com o número de
horas que os alunos dedicaram a seu trabalho de casa. (Bowen&Bok, 2004, p.
396)."
"O
resultado acadêmico pode ser também influenciado pela qualidade do ensino recebido
ou até pelo conhecimento de melhores estratégias e formas de lidar com
situações acadêmicas. Por essas razões, é bastante provável que muitos
acadêmicos com escores bons, mas não excepcionais, tenham trabalhado com mais
diligência do que muitos outros com histórico acadêmico superior."
"O
que as universidades públicas devem querer ao selecionar seus alunos, é saber
qual é o conjunto de interessados em ingressar essas instituições, individual e
coletivamente considerados, “tirará o máximo proveito do que a instituição tem
a oferecer, contribuirá mais para o processo educacional universitário e se
sairá melhor na utilização do que aprendeu em benefício da sociedade em geral”
(Ibidem, p. 397)".
"Além
da ressignificação do conceito de mérito, é necessário que se leve em
consideração não só o acesso de alunos de diferentes estratos sociais,
econômicos e culturais na universidade, mas que estes possam permanecer e
diplomar-se. A política pública não deve se contentar em incluir, deve fazê-lo
com qualidade. Propiciar para os merecedores destas vagas reais possibilidades
de modificarem suas vidas, após estudar em tão conceituada instituição."
"O
trabalho permitiu algumas conclusões interessantes, que podem favorecer novas
incursões na análise da política de ação afirmativa da UFSC."
"Espera-se que, com esses
dados, haja motivação para mais pesquisas na área, visando o aprimoramento do
acolhimento dos acadêmicos de origens tão diversas, em instituições ainda tão elitistas.
Busca-se assim, que a política pública de ação afirmativa cumpra ainda mais
seus objetivos. Que desta forma, além de ampliar o acesso, possibilite a
diplomação desses acadêmicos que tornarão nosso mercado de trabalho mais
plural. E que a universidade pública cumpra a sua função social democrática e
inclusiva."
Dissertação
completa:http://tede.ufsc.br/teses/PSOP0493-D.pdf
Artigo
na revista científica da revista Tempo da Ciência: http://e-revista.unioeste.br/index.php/tempodaciencia/article/view/12642/8751